O descarte e o tratamento inadequado do chorume, um dos maiores passivos ambientais da gestão de resíduos no Brasil, continuam sendo um desafio urgente a ser enfrentado pelo poder público e pelas concessionárias. A conclusão foi consenso entre especialistas reunidos no webinar “Tratamento de chorume: desafios e cenários futuros”, promovido nesta quarta-feira (4) pelo Portal do Saneamento Básico, em parceria com a AST Ambiente, que contou com 125 participantes online, no pico de audiência.
O debate reuniu Carlos Eduardo Canejo (Observatório dos Resíduos / UVA), José Penido (engenheiro da Comlurb), Humberto Júnior (professor do Instituto Federal do Ceará) e Ronei de Almeida (professor da Universidade do Esatado do Rio, Uerj), com mediação do engenheiro Waldyr Ramos, da AST.
Diluir não é tratar: risco de mascarar o problema
Para o pesquisador Carlos Canejo, o Brasil ainda vive “entre tecnologias avançadas e problemas básicos” na gestão de resíduos. Ele reforçou que, apesar da evolução normativa, o chorume segue sendo tratado de forma inadequada em diversas regiões do país.
“A diluição do chorume em unidades de tratamento de esgostos é mascarar um problema. Diluição não é tratamento”, afirmou. O pesquisador lembrou que a resolução Conama 430/2011 veda o envio de chorume para ETEs, e que a Lei 9.055/2020, no Rio de Janeiro, obriga o tratamento nos próprios aterros. Ainda assim, práticas de diluição e descarte irregular persistem.
Segundo Canejo, o cenário é agravado pela existência de lixões ainda ativos (são mais de 3 mil sítios a céu aberto no Brasil), áreas contaminadas não remediadas e ausência de padronização clara sobre o que é pré-tratamento.
“O chorume é muito mais complexo e imprevisível do que o esgoto doméstico. Precisamos de regulação mais precisa e cumprimento rigoroso das normas”, destacou.
Gramacho como alerta: ‘Poucas tecnologias tiveram sucesso’
O engenheiro José Penido, da Comlurb, reforçou o alerta ao relembrar o histórico do antigo lixão de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), que operou por 36 anos — de 1976 a 2012 — acumulando chorume sem controle.
“O aterro não tinha controle nem de resíduos perigosos. Testamos dezenas de soluções ao longo do tempo, mas poucas tecnologias tiveram sucesso”, disse.
Segundo ele, Gramacho chegou a gerar 2 mil m³ de chorume por dia. A primeira grande estação de tratamento do país, construída pela Queiroz Galvão em 1995, utilizava processo físico-químico, ainda sem membranas.
Penido criticou também a prática ainda comum em grandes aterros de enviar chorume para estações de esgoto, especialmente em São Paulo. “Isso não é tratamento. Apenas dilui e, no fim, vai parar na Baía de Guanabara, em rios, corpos hídricos”.
O engenheiro ressaltou que diminuir a matéria orgânica destinada aos aterros é a forma mais eficiente de reduzir a geração de chorume, citando iniciativas como biometanização no Ecoparque do Caju, na Zona Portuária do Rio, e projetos de compostagem.
Humberto alerta: falta de quadros nos órgãos ambientais do Ceará
O professor Humberto Júnior, do IFCE, foi direto ao criticar a diluição do chorume em ETEs como solução de baixo custo:
“Nunca resolveu e nunca resolverá. É uma tentativa de economizar recursos, quando a prioridade deveria ser fazer o que é correto”.
Humberto defendeu o uso de tecnologias como a osmose reversa no tratamento de chorume, ainda que mais cara, ressaltando que ela alcança remoção de 80% a 85% da DQO (demanda química de oxigênio).
“Não existe saneamento barato. A sociedade precisa compreender que saneamento exige investimento — por isso taxas de lixo são fundamentais”.
Ele também destacou problemas estruturais na gestão no Nordeste:
“No Ceará, 85% dos municípios não têm um engenheiro no quadro ambiental. Em regiões com solo cristalino (com alta resistência à erosão e ao intemperismo) e balanço hídrico negativo, o custo do tratamento tende a cair, mas é preciso planejamento”.
Tecnologias combinadas ganham espaço
O professor Ronei de Almeida, da Uerj, apontou que a alta DBO recalcitrante e o nitrogênio amoniacal são os grandes gargalos do chorume brasileiro. Para ele, caminhos interessantes estão associados a processos híbridos, como biorreatores com membranas (MBR) combinados com osmose reversa.
Ronei citou estudos chineses que reforçam a viabilidade das soluções avançadas: em 2018, o país operava 175 plantas MBR dedicadas ao tratamento de lixiviados, com capacidade de 65 mil m³/dia — o equivalente a 26 piscinas olímpicas — além de unidades de membranas de alta pressão que tratam volume semelhante. Em Xangai, sistemas MBR tratam até 5.200 m³/dia.
“Há mercado no Brasil e espaço para expansão das tecnologias avançadas”, concluiu.
Busca por soluções locais
O evento destacou ainda o potencial de soluções como wetlands construídos para pequenos municípios, além de sistemas de coleta seletiva implantados em cinco cidades do Ceará com participação da iniciativa privada.
Para Humberto, a desconexão entre pesquisa, gestão pública e setor privado prejudica avanços:
“Não dá mais para termos pesquisadores de um lado, gestores desinformados de outro e empresas que não querem investir”, reforçou.
O encontro reforçou que o chorume segue como um dos principais desafios ambientais do país. Apesar dos avanços tecnológicos disponíveis, a ausência de planejamento, a persistência dos lixões, a falta de capacidade técnica e a prática ainda comum de diluir o chorume em estações de esgoto impedem a solução do problema.
A mensagem comum dos especialistas foi inequívoca: sem investimento, fiscalização e políticas robustas, o chorume continuará sendo um passivo ambiental não enfrentado.
Equipe AST


