As atividades antropogênicas resultam na produção de diversas sustâncias, dentre elas algumas com alto potencial poluidor e com características muito particulares. Dentre elas podemos citar os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) que são definidos como substâncias químicas orgânicas sintéticas que possuem uma alta persistência no ambiente, de alta persistência (não se degradam facilmente) e têm o potencial de serem transportadas pelo ar, solo, água e organismos migratórios. Essas substâncias tóxicas acumulam-se e ampliam-se em ecossistemas terrestres e aquáticos e nos tecidos gordurosos dos organismos vivos, apresentando riscos significativos para a saúde humana e ao meio ambiente, especialmente em países em desenvolvimento Por essas razões os POPs são conhecidos como “substâncias químicas eternas”. Dessa forma, este artigo visa chamar atenção das autoridades públicas, gestores e técnicos dos órgãos ambientais brasileiros sobre o perigo iminente e os riscos ambientais e à saúde humana associados à presença dos POPs no lixiviado (ou chorume) de lixões e aterros sanitários no Brasil.
A Convenção de Estocolmo de 2001, da qual o Brasil é signatário, têm como principal objetivo a eliminação e/ou restrição dos POPs, seus estoques e resíduos, a redução da liberação de suas emissões não intencionais no meio ambiente, além da identificação e gestão de áreas contaminadas por essas substâncias (MMA). Além disso a Convenção destaca a preocupação com os impactos desses poluentes nas mulheres e, por conseguinte, nas futuras gerações. No Brasil, o Decreto Legislativo nº 204 de 2004 aprovou o texto da Convenção e o Decreto n° 5.472, de 20 de junho de 2005 promulgou o texto da Convenção. Complementarmente, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) quando dispõe sobre o descarte de efluentes na Resolução CONAMA nº 430/2011, no Artigo 8º, estabelece sobre a problemática dos POPs com o seguinte texto: “É vedado, nos efluentes, o lançamento dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), observada a legislação em vigor. Parágrafo único. Nos processos nos quais possam ocorrer a formação de dioxinas e furanos deverá ser utilizada a tecnologia adequada para a sua redução, até a completa eliminação.”
A exposição crônica a poluentes orgânicos persistentes (POPs) tem sido amplamente relacionada a uma série de efeitos adversos à saúde humana. Estudos demonstram que essas substâncias atuam como desreguladores endócrinos, afetando o sistema hormonal e contribuindo para disfunções reprodutivas e infertilidade (SANTOS et al., 2021; GORE et al., 2015). Além disso, alguns estudos apontam para alterações imunológicas e maior susceptibilidade a doenças autoimunes devido à exposição prolongada a compostos como PCBs e dioxinas (WHO, 2010). No campo neurológico, pesquisas indicam que POPs podem causar distúrbios neurocomportamentais e de desenvolvimento, especialmente quando a exposição ocorre durante a gestação ou na infância (GRANUM; LOVIK, 2011). Há também associação com malformações fetais, atribuídas à ação teratogênica de substâncias como DDT e seus metabólitos (CARLSON; PATTERSON, 2002). Doenças do sistema nervoso central e periférico, como déficits cognitivos e alterações motoras, têm sido relatadas em populações expostas cronicamente (LANDRIGAN; BELLE, 2003). Quanto a doenças metabólicas, como diabetes tipo 2, obesidade e síndrome metabólica, estudos mostram que os POPs alteram o metabolismo lipídico e a sensibilidade à insulina (LEE et al., 2006; LEE; LEE; JACOBSON, 2014). Por fim, diversos tipos de câncer, incluindo de mama, pulmão e intestino, têm sido associados à exposição a xenoestrogênios como BPA, PCBs e pesticidas organoclorados, que mimetizam hormônios e promovem proliferação celular descontrolada (BRODY et al., 2007; IARC, 2016).
Os aterros sanitários por definição são locais de destinação de resíduos e rejeitos que contém esses poluentes. Nesse contexto, devido aos processos inerentes a degradação dos resíduos sólidos aterrados ocorre a geração do biogás e o do lixiviado, este último então contém diluído em si diversos POPs, fazendo do aterro sanitário não um destino final dessas substâncias, mas sim uma fonte de POPs (Dudzinska e Czerwinski, 2011). A mudança na tipologia e na composição dos resíduos depositados nos aterros, devido ao aumento da demanda e à complexidade dos produtos consumidos, contribui para a presença de compostos perigosos, como baterias, tintas, óleos, produtos eletroeletrônicos, cosméticos e produtos farmacêuticos, que são transformados em resíduos com potencial impacto negativo sobre o meio ambiente e a saúde humana (Eggen et al., 2010).
A literatura sobre a composição do lixiviado tem se concentrado em parâmetros como Carbono Orgânico Dissolvido, Demanda Biológica de Oxigênio, Demanda Química de Oxigênio, metais pesados, e cargas de nitrogênio e amônia. No entanto, mais de 200 compostos orgânicos já foram identificados em lixiviados de aterros municipais (Paxéus, 2000). Estudos internacionais, realizados na Alemanha, Polonia, Canada e Estados Unidos (Busch et al., 2010; Dudzinska e Czerwinski, 2011, Ochs et al. 2024) apontam sobre a presença de alguns POPs no lixiviado de aterros sanitários. Dentre essas substâncias, destacam-se as Per e Polifluoralquiladas (PFAS) que têm ganhado a atenção em diversos países e regiões como EUA e União Europeia que tem disposto sobre limites de descarte desses compostos de difícil biodegradabilidade. Inúmeras pesquisam demostraram que compostos químicos, incluídos na categoria dos POPs, não são removidos pelos tratamentos biológicos e, em parte, pelos físico-químicos (Busch et al., 2010; Yan et al., 2015; Arvaniti e Stasinakis, 2015; Fuertes et al., 2017). Por isso, outras tecnologias são requeridas e mais indicadas para remoção desses compostos como processos oxidativos avançados, adsorção e sistemas de membranas, sobretudo de osmose inversa (Akhtar et al., 2021). Pois quando não identificados e tratados adequadamente, esses compostos são lançados em corpos hídricos, causando danos à saúde e ao meio ambiente a médio e longo prazo (Ochs et al. 2024).
A heterogeneidade da composição do lixiviado, que varia conforme os tipos de resíduos, condições operacionais e climáticas, torna difícil a identificação e quantificação dos POPs nesse tipo de matriz, indicando a necessidade de análises laboratoriais específicas para investigação destes compostos. Ademais, ainda não há uma metodologia de análise mundialmente bem implementada e definida para analisas a presença desses compostos. Somando-se a issono Brasil, há uma escassez de instituições acadêmicas e laboratoriais equipadas para realizar análises detalhadas sobre a presença de POPs nos lixiviados dos aterros sanitários.
Paralelamente, os lixões e aterros controlados que ainda são tão presentes no território nacional contribuem como fonte de emissão de POPs não somente pelo lixiviado, mas também através da combustão incompleta de materiais orgânicos que frequentemente formam hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), categorizados como POPs, Esses compostos podem ser cancerígenos e mutagênicos, além de acumularem-se nos tecidos gordurosos dos organismos vivos, apresentando riscos significativos devido à sua bioacumulação e bioconcentração em alimentos e plantas.
Portanto, é imperativo que os órgãos ambientais, agencias de regulamentação e de controle exijam o monitoramento e controle do lançamento dos POPs nos efluentes tratados oriundos de aterros sanitários, conforme exigido pela legislação ambiental brasileira. Isso permitirá a identificação adequada e a implementação de medidas corretivas para enfrentar os problemas relacionados aos POPs. Além de contribuir para assegurar por um ambiente mais ecologicamente equilibrado e dirimir efeitos sobre a saúde pública do país.
Niterói, 05 de setembro de 2024
Waldyr Junior, Marcelo Lippi e Gabriel Alcazar
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